LÚCIA VALENTIM RODRIGUES
da Revista da Folha
19/05/2008 - 12h50
São 300 dias por ano que não chove nem uma gota d'água. A cidade mais próxima fica a duas horas de ônibus --um pouco menos, se você estiver voltando, porque é descida. Apenas 15 pessoas moram nesse lugar. Por mais inóspito que possa parecer, não estamos falando de Marte, mas do observatório de Paranal, em Antofagasta, no Chile, no começo do deserto do Atacama, a 2.600 m de altitude.
Hans Hermann Heyer/ESO
A 2.600 metros de altitude, o observatório em Antofagasta é o mais potente do mundo, usado para bisbilhotar fora do Sistema Solar
Lá fica o mais potente telescópio do mundo, com lentes de 8,2 m de diâmetro, que são usadas para comprovar a existência de planetas fora do Sistema Solar. Para comparar, o Hubble, por exemplo, tem "apenas" 2,5 m de diâmetro.O lugar, isolado e seco, com pouco vento e sem muitas turbulências, obedece a uma exigência para abrigar o equipamento, que resiste sem danos a um terremoto --que são comuns no Chile-- de até 8 pontos na escala Richter. O mais potente já sentido desde a construção do telescópio foi de 6,7 pontos. Só para lembrar, o tremor que sacudiu São Paulo no mês passado foi de 5 pontos.
O telescópio só é aberto à noite, quando fazem uma vedação na Residência, como é chamada a espécie de hotel criada para abrigar os moradores de Paranal, para não vazar nenhuma luz que interfira no observatório.
Além dos escritórios, o espaço tem uma "floresta tropical" artificial, piscina, sauna, academia, restaurante e sala de vídeo. Tudo para amenizar o ambiente do lado de fora, que, mesmo desértico, abriga gaviões, raposas, escorpiões e algumas plantas. "Qualquer gota d'água faz nascer algo verde aqui", diz o chefe de operações científicas Olivier Hainaut. As pessoas ficam apenas uma ou duas semanas em Paranal, depois vão para Antofagasta, Santiago ou voltam para seus países de origem.
A Residência tem autonomia para funcionar cinco dias sem precisar de nenhuma ajuda externa. "Sete se ninguém tomar banho", ironiza o diretor-geral, Tim de Zeeuw. São dois caminhões-tanques de água por dia, um de gasolina (para os geradores), além de comida e equipamentos básicos de manutenção que chegam uma vez por semana. "Parece fácil, mas requer muito planejamento. Não temos nada por perto. Tudo vem de fora."
Noites em claro
O complexo de Paranal é formado por quatro telescópios que, combinados, conseguem uma imagem melhor de regiões a anos-luz da Terra. Cada conjunto de lentes ocupa uma área de 60 m2. "Do tamanho do meu apartamento", brinca o astrônomo suíço Olivier.
Ele calcula que cada noite fotografada pelo telescópio rende um mês no escritório, analisando as imagens. Como são aproveitadas 330 noites por ano, o número de descobertas também é impressionante: duas pesquisas publicadas por dia, desde 1999 quando foi inaugurada a primeira das quatro unidades.
Claro que nem tudo é tão relevante quanto a possibilidade de haver vida fora da Terra. Mas isso ainda deve demorar uma década para ser demonstrado, porque todos os planetas descobertos fora do Sistema Solar estão muito próximos da estrela em volta da qual gravitam. São, portanto, muito quentes, como Mercúrio.
Imagem da galáxia espacial barrada NGC 613,
registradaobservatório em Antofagasta, no Chile,
o mais potente do mundo
"Não daria para haver vida neles. Só com maior avanço tecnológico conseguiremos descobrir planetas com temperaturas mais amenas", afirma Olivier.
Ele mesmo já viu "coisas estranhas no céu". "Mas nenhum óvni", ri, ao afirmar que não acha possível que eles existam se ele próprio, que passa tanto tempo olhando para o espaço, nunca identificou nada parecido.
Quer dizer, parecido, sim. Ele viu certa noite um disco com um ponto vermelho se movendo. Mas, depois de medir o tamanho do disco e a velocidade, descobriu que, na verdade, aquele pontinho lá no alto era um foguete russo soltando uma de suas partes.
Mundo da Lua
Olivier é aficionado por cometas, seu objeto de estudo favorito. Mas também acompanha as incursões da ficção científica no cinema. Como boa parte do planeta (este, no caso), irritou-se com as invencionices de "Armaggedon" e "Impacto Profundo". Mas já viu ótimas idéias, bem fundamentadas na realidade, transpostas para a telona, como em "Contato" e o imbatível "2001 - Uma Odisséia no Espaço", de Stanley Kubrick, de 1968. "O filme continua fazendo sentido até hoje", diz ele.
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